segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Uma paixão compartilhada

Iniciativas, apesar de pouco expressivas, já têm público fiel e lutam contra adversidades para não desaparecer
Raras são as vezes em que a explicação do dicionário para alguma palavra parece incompleta. Esse, porém, é o caso do vocábulo "cineclube", definido como "entidade onde se congregam amadores de cinema para estudar-lhe a técnica e a história".

A Vila das Artes é um dos locais onde cineclubistas se unem pelo cinema FOTO: ALEX COSTA

Embora correta, a descrição não contempla outros aspectos da prática. Para além do estudo da linguagem em si, o cineclube pode funcionar como ferramenta pedagógica em outros campos do saber, ou, num sentido mais amplo, servir de plataforma para suscitar reflexões sobre questões diversas - por exemplo, direitos humanos, saúde, arte, ativismo, meio ambiente, entre outras. Para além da construção de conhecimento, o cineclube passa ainda pela esfera da afetividade. Trocando em miúdos, significa gente que gosta de cinema reunida para assistir a filmes e conversar sobre eles - espécie de versão ampliada da roda de amigos em frente à TV.

Em Fortaleza (assim como em todo o Brasil, de modo geral), onde o preço de um ingresso para assistir a um filme no cinema pode chegar a R$ 18 (para 2D) e a programação das salas privilegia títulos estrangeiros, o cineclube também cumpre um papel democratizador - tanto no sentido do acesso à fruição quanto das oportunidades de exibição.

Pelo menos é essa uma das premissas do curso Pontos de Corte, oferecido pela Vila das Artes desde 2007, cujo objetivo é capacitar agentes culturais e exibidores independentes - ou seja, pessoas e grupos formados para selecionar filmes, planejar ações, cuidar de equipamentos de projeção, preparar programações e intervenções artísticas na cidade, de acordo com os contextos de cada local. Até sua última edição, no primeiro semestre deste ano, o Pontos de Corte já formou mais de 300 pessoas e incentivou a criação de vários coletivos. O conteúdo dos módulos inclui história e linguagem audiovisual, gestão e planejamento de ações culturais, técnicas de projeção, exibições temáticas, cineclubismo e antropologia cultural, entre outros assuntos.

Em um segundo momento, os alunos dividem-se em grupos para planejar e executar eventos públicos voltados principalmente à projeção de conteúdos audiovisuais. "No primeiro semestre de 2012 fizemos um mapeamento e identificamos 22 pontos de exibição derivados do Pontos de Cortes, que realizam ações em diversos locais, como praças e escolas", explica o coordenador da Escola Pública de Audiovisual da Vila das Artes, Lenildo Gomes.

"O curso foi criado para atender a uma demanda de descentralizar não apenas o local de projeção (salas de cinema), mas a própria maneira de exibição (tela convencional). Assim, ao longo desses cinco anos já tivemos, por exemplo, projeções em dunas, na vela de uma jangada, em telas montadas na trave do gol de um campo de futebol e até dentro da Lagoa de Messejana", conta Lenildo.

Além de ampliar o acesso do público, não raro, pela sua própria natureza não comercial, os cineclubes acabam funcionando como janelas de circulação de produções independentes, quase nunca contempladas pelo circuito tradicional de exibição. "No Cineclube da Vila, por exemplo, muitas vezes priorizamos filmes de realizadores cearenses, inclusive alunos e ex-alunos da escola de audiovisual, porque é um tipo de produção hoje centralizada em festivais, mostras especiais e, em menor escala, na TV. As salas de cinema não costumam trabalhar com esses conteúdos, especialmente no caso dos curtas-metragens", justifica Lenildo.

Assim, para o coordenador, a atividade acaba funcionando como uma ação política, ao fugir do modelo estabelecido pelo mercado, em um modelo vantajoso tanto para o público quanto para realizadores. Outra proposta frequentemente adotada por organizadores de cineclubes é a de mostras temáticas, seja por gênero, diretor, assunto, estética ou outros aspectos. "Muitas vezes trabalhamos por tema no Cineclube da Vila, pelo fato de ele ter, entre outras características, um caráter de formação do olhar, da sensibilidade estética. Além disso, o recorte por tema também funciona como um atrativo, para as pessoas interessadas no assunto", esclarece Lenildo.

Plural
A última turma do Pontos de Corte foi finalizada em abril deste ano, mas já estão inclusas no planejamento da Vila novas edições do curso em 2013. "Provavelmente faremos remodelações no conteúdo. Temos percebido uma necessidade grande de diálogo da prática cineclubista com outras linguagens artísticas ou mesmo com novas possibilidades dentro do próprio cinema", adianta Lenildo. "Uma delas é o chamado ´live cinema´ (algo como cinema ao vivo), em que as imagens são montadas em tempo real, na hora da exibição, alterando a estrutura narrativa".

Um dos coletivos derivados do Pontos de Corte é o Provocações!, que realiza quinzenalmente o Cine Desbunde, cineclube que combina exibição de filme a outras atividades artísticas - ­como mostras de artes visuais, leituras poéticas e outras. Para completar a proposta descontraída, os encontros acontecem em um bar, o Buteco da Florzinha, no bairro do Benfica.

A iniciativa surgiu a partir de outras atividades dedicadas ao cinema, idealizadas pelo ex-aluno do Pontos de Cortes, Antonio Viana. "Antes do Cine Desbunde, tive a ideia de fazer o Cine Macumba, projeto voltado para a temática da cultura e da manifestações afro-brasileiras, com atividades envolvendo música, culinária e exibição de filme", recorda o produtor.

"Chamei algumas pessoas e realizamos três edições do Cine Macumba; uma na Associação Cultural Solidariedade e Arte - Solar e duas na Vila das Artes", complementa Viana. Já o Cine Desbunde é dedicado a filmes brasileiros, dentro da temática da juventude e dos movimentos culturais nacionais nos anos 1960 e 1970. "Trata-se de uma proposta experimental em um formato mais simples, mais básico. Improvisamos uma tela na parede do bar. Temos tido uma média de 20 espectadores, mas isso varia por conta da rotatividade propiciada pelo ambiente", explica Viana.

Antes das exibições, os organizadores costumam tocar algumas músicas; depois, sempre há uma conversa entre público e artistas locais convidados, "normalmente mais desconhecidos pelo público e não contemplados pelas políticas culturais públicas", esclarece o produtor.

Para Viana, a prática cineclubista é importante especialmente para a formação de plateia. "No caso do Cine Desbunde, ficamos surpresos com a falta de conhecimento da nossa juventude sobre a cultura brasileira musical de antes dos anos 1990, inclusive em um bairro onde isso não deveria acontecer, por se tratar de um polo universitário", critica o produtor. Por conta disso, uma das ideias dos realizadores do Cine Desbunde é formar uma biblioteca digital com os filmes e documentários exibidos no cineclube, "para ampliar o acesso às produções", complementa.

REPÓRTERADRIANA MARTINS

Fonte: 
http://diariodonordeste.globo.com/m/materia.asp?codigo=1194895

Muitos trabalhos ainda são desconhecidos pelo público

A Capital dispõe de boas ações na área do cineclubismo que esbarram na falta de informação e de plateia 

Fortaleza tem cerca de 2,5 milhões de habitantes e mais de 100 bairros. Frente a esses números, a quantidade atual de pouco mais de dez cineclubes com programação regular pode parecer inexpressiva. Trata-se, porém, de um número relevante, resultado de um processo gradual, que inclui o recente aquecimento da produção cinematográfica do Estado, hoje considerado um dos polos de novos talentos no País. Apesar da importância da prática, não raro o público é tomado pela dúvida sobre quais cineclubes ainda funcionam na cidade, especialmente os de caráter itinerante, cuja atuação normalmente não é periódica e pode variar ao longo dos meses (como o Cine Invazão, do Pode Crer Coletivo, que finalizou seu segundo circuito no final de agosto deste ano, no bairro Goiabeiras).

Lenildo Gomes, coordenador da escola de audiovisual da Vila das Artes, explica que os dias e horários das exibições dos cineclubes mantidos pelo equipamento são pensados para públicos específicos, como estudantes

Tal desconhecimento resulta da mistura de divulgação insuficiente e falta de hábito da população de frequentar tais espaços (basta recordar que, atualmente, o único "cinema de rua" da Capital é o Cine Dragão do Mar/Fundação Joaquim Nabuco, pelo menos enquanto o destino do Cine São Luís permanece incerto). Especialmente desde a segunda metade dos anos 2000, Fortaleza viu surgirem e minguarem alguns cineclubes e iniciativas nesse sentido - a exemplo do cineclube do Museu da Imagem e do Som e o projeto Filmes Malditos da Meia-Noite (dedicado ao cinema marginal e underground).

Dos que resistem ou foram criados recentemente, quase todos acontecem em dias úteis, entre 14 e 19 horas, às terças, quartas e quintas. As programações são interessantes e têm potencial para atrair um público diverso, mas os horários privilegiam aqueles que não trabalham à tarde (como estudantes e idosos) ou que já moram ou trabalham no entorno dos locais onde acontecem os cineclubes, devido ao trânsito no horário de pico, que inviabiliza longos deslocamentos.

Um modelo testado pelo Diário do Nordeste foi o Cine Sesc, realizado às terças e/ou quartas-feiras, a partir das 18h30, no Sesc Fortaleza. Para chegar pontualmente, saindo de carro da Avenida Desembargador Moreira (na altura da Praça da Imprensa), foram necessários 50 minutos. Não por acaso, havia apenas três pessoas na sessão. No mesmo horário, também às quartas-feiras, acontece o Cineclube Vila das Artes, com mostras temáticas mensais. Em outubro acontece a Mostra Derek Jarman, artista inglês que, além de cineasta, foi pintor e ajudou a fundar o cinema independente britânico.

A mostra exibe cinco dos principais filmes de Jarman que também produziu curtas, longas e diversos filmes musicais (para artistas e bandas como Marianne Faithfull, The Smiths, Pet Shop Boys e Suede). Seu trabalho é considerado radical, ao buscar recriar a imagem no cinema. "Temos essa opção de horário à noite justamente para dar oportunidade a quem trabalha durante o dia de comparecer. Como a Vila funciona no Centro, visamos o público de lá. Já as exibições diurnas visam outro tipo de público, como os estudantes, que saem das escolas ou das faculdades à tarde", detalha o coordenador da escola de audiovisual do equipamento, Lenildo Gomes.

"No caso dos cineclubes, hoje esbarramos na limitação do horário de funcionamento das instituições. Na Vila, estamos tentando rever essas condições, para, quem sabe, fazer sessões no final de semana", explica o coordenador. "Mas também temos consciência que se trata de uma ação de formação de plateia, até as pessoas criarem o hábito de comparecer", complementa. A Vila das Artes também abriga outros cineclubes, sendo o mais recente deles o Cine da Tarde, criado em parceria com o Conselho Municipal da Pessoa Idosa e realizado semanalmente às quartas-feiras. A programação é voltada a filmes que contemplem assuntos relacionados ao universo do idoso.

Durante o mês de outubro a Vila sedia ainda o Cineclube do Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza, enquanto não se define a nova sede da instituição. Criado há um ano, o projeto acontece semanalmente às terças-feiras, com mostras temáticas. Neste mês, a programação é dedicada ao diretor Rainer Werner Fassbinder, um dos mais importantes representantes do Novo Cinema Alemão.

"Cheguei a fazer uma proposta para o CCBNB de realizar sessões aos sábados, mas a agenda já estava ocupada. Por experiências anteriores, tenho certeza que daria bom público", avalia o produtor Pedro Paulo Freire, idealizador do Cineclube CCBNB e também responsável pelo recém-criado Cineclube Janelas, no Sesc Fortaleza. "No caso do Janelas, como só tem dois meses, ele está propenso a mudanças de horário, a depender das solicitações do público. Particularmente tenho vontade de colocar nos fins de semana. Mas, aos sábados, por exemplo, o Sesc só funciona até 12h".

Ainda no sentido de horário, o Cineclube Avenida é um dos ligeiramente mais acessíveis, com sessões às 19 horas a cada 15 dias, às terças-feiras. A programação é voltada principalmente à produção audiovisual brasileira e cearense. Quase sempre há debate ao fim da projeção, com participação de convidados relacionados ao tema do filme. (AM)

Onde encontrar
Lista dos principais cineclubes em Fortaleza:
Cineclube Avenida
Promovido quinzenalmente às terças-feiras, a partir das 19 horas, no Auditório do Subsolo 1 do shopping Avenida, em sala de projeção digital (70 lugares). Onde: Av. Dom Luís, 300, Meireles. Contato: (85) 3264.9444

Site: avenidashoppingeoffice.com.br

Vila das Artes
- Cine da Tarde

Promovido semanalmente às quartas-feiras, a partir das 14h, no auditório da Vila das Artes (50 lugares). - Cineclube Vila das Artes

Promovido às quartas-feiras, a partir das 18h30, no auditório da Vila das Artes (50 lugares).

- Cineclube CCBNB

Promovido às terças-feiras, a partir das 17h. Até janeiro de 2013 a Vila vai sediar o Cineclube do Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) com mostras temáticas.

Onde: Rua 24 de Maio, 1221, Centro. Contato: (85) 3252.1444

Site: viladasartes.fortaleza.ce.gov.br

Cineclube Unifor
Promovido semanalmente às quintas-feiras, a partir das 13h30, na videoteca do Centro de Convivência da Unifor (62 lugares). A programação contempla filmes sobre temas atuais.

Onde: Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz. Contato: (85) 3477.3000 Site: unifor.br

Sesc Fortaleza
- Cineclube Janelas

Promovido semanalmente às quintas-feiras, a partir das 17h, na Sala de Vídeo do Sesc Fortaleza (2º andar, 65 lugares).

- Cine Sesc

Promovido semanalmente às terças e/ou quartas-feiras, a partir das 18h30, na Sala de Vídeo do Sesc Fortaleza (2º andar, 65 lugares).

Onde: Av. Duque de Caxias, 1701, Centro. Contato: (85) 3452.9000

Site: www.sesc-ce.com.br

Café com tapioca
Promovido semanalmente aos domingos, a partir das 8h30, no Teatro Dragão do Mar (246 lugares). Voltado ao público da terceira idade. A cada sessão, dois filmes. Antes da exibição, é servido um café da manhã em sistema self-service (R$ 15). Onde: Rua Dragão do Mar, 81, Praia de Iracema.

Contato: (85) 3488.8600. Site: www.dragaodomar.org.br/

Cine Desbunde
Promovido quinzenalmente às quintas-feiras, a partir das 18h, no Buteco da Florzinha. A programação é voltada principalmente à produção audiovisual brasileira. Onde: Rua Instituto do Ceará, loja 7, Benfica (ao lado da Faculdade de Economia/UFC)

Cine Freud
Promovido às quartas-feiras, a partir das 14h, na Casa Amarela Eusélio Oliveira (146 lugares), pelo curso de Psicologia da UFC. Contempla filmes que proporcionem a transmissão do saber psicanalítico.

Onde: Av. Universidade, 2591, Benfica. Contato: (85) 3366.7727. Site: psicanalise.ufc.br/cinefreud.html

Cine Refluxos
Às quintas-feiras, a partir das 14h, na Casa Amarela Eusélio Oliveira (146 lugares), pelo curso de Cinema e Audiovisual da UFC. A programação é voltada à temática da linguagem cinematográfica. Onde: Av. Universidade, 2591, Benfica.

Contato: (85): 3252.2282

Cineclube Dragão do Mar
Promovido aos sábados, a partir das 16h, no Auditório do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (108 lugares). Outubro é dedicado a curtas infantis.

Onde: Rua Dragão do Mar, 81, Praia de Iracema. Contato: (85) 3488.8600

Site: www.dragaodomar.org.br/


Fonte: 
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1194898

Mapeamento dos cineclubes no Ceará

Visualizar Cineclubes Cearenses em um mapa maior ROSA - CARIRI/Centro Sul AMARELO - Sertão dos Inhamuns VERMELHO - Litoral Leste/Vale do Jaguaribe VERDE - Maciço de Baturité AZUL CLARO - Sertão Central AZUL ESCURO - Sobral / Ibiapaba LILÁS - Litoral Oeste/Extremo Oeste SOL - Região Metropolitana de Fortaleza